Resolução do Conselho de Ministros n.º 73/2009, de 26 de agosto – Estratégia Nacional sobre Segurança e Desenvolvimento.
Aprova a Estratégia Nacional sobre Segurança e Desenvolvimento.
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Portugal precisa de uma estratégia nacional sobre segurança e desenvolvimento. A intervenção internacional do Estado Português em situações de fragilidade nos países parceiros da cooperação tem obedecido a lógicas sectoriais muito variadas, frequentemente descoordenadas e com resultados mistos. Exige-se, por uma questão de responsabilidade e responsabilização política, e por razões de eficiência e coerência quanto aos objectivos e resultados, que se definam as linhas de orientação para a actuação de Portugal em matéria de segurança e desenvolvimento. Estas permitirão uma programação e acção mais integradas do Estado Português em situações de fragilidade, de acordo com as dinâmicas internacionais em curso, as quais terão em consideração as restrições orçamentais actualmente existentes.
Ao aprovar uma estratégia nacional neste domínio, Portugal demonstra o seu empenho e compromisso em dar continuidade à dinâmica internacional em curso e potencia a sua capacidade de influência nos países parceiros em situação de fragilidade.
A prossecução do objectivo da Estratégia concretiza-se através da criação de mecanismos de coordenação política e operacional regulares, em Portugal e nos países em que Portugal actua. A sistematização de boas práticas, a melhor partilha de informação entre os actores envolvidos e o aprofundar de relações com os parceiros internacionais neste domínio permitirão uma programação e acção mais integradas do Estado Português em situações de fragilidade.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
Aprovar a Estratégia Nacional sobre Segurança e Desenvolvimento, anexa à presente resolução, da qual faz parte integrante.
Presidência do Conselho de Ministros, 16 de Julho de 2009. – O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
ANEXO
Estratégia Nacional sobre Segurança e Desenvolvimento
Parte I
1 – Enquadramento
Portugal desempenhou um papel relevante na discussão e adopção das conclusões do Conselho da União Europeia (UE) sobre situações de fragilidade e sobre segurança e desenvolvimento, que se realizaram durante a presidência portuguesa da UE, e que traduziram o acordo político relativamente à necessidade de a relação entre desenvolvimento e segurança estar na base das estratégias e políticas da União. Nas conclusões referidas, reconhece-se a importância de promover uma utilização mais eficaz dos instrumentos diplomáticos, de desenvolvimento, de ajuda humanitária e de segurança para prevenir e resolver situações de fragilidade, e mandata-se a Comissão Europeia, em estreita colaboração com os Estados membros, a elaborar um plano de acção que promova uma maior coerência e consequente eficiência e eficácia da acção externa da UE.
A Estratégia Nacional sobre Segurança e Desenvolvimento traduz o empenho de Portugal em dar continuidade à dinâmica internacional em curso, procurando identificar os mecanismos e instrumentos existentes e aqueles a criar para que o País possa assumir uma intervenção internacional com base em políticas mais coerentes, integradas e coordenadas. A promoção interna de coerência de políticas tem ainda a vantagem de conferir a Portugal a legitimidade e a credibilidade internacionais para influenciar de forma significativa processos em países que enfrentam situações complexas de fragilidade.
O Estado Português desenvolve relações de cooperação privilegiadas com um conjunto de Estados considerados em situação de fragilidade, cujo desenvolvimento requer mecanismos de reforço das suas funções de soberania, tais como a criação de condições de segurança interna e de defesa e um sistema de justiça eficaz e acessível a todos os cidadãos. O conceito de fragilidade do Estado refere-se muitas vezes a estruturas débeis ou em desagregação e a situações em que o contrato social é rompido devido à incapacidade ou à falta de vontade do Estado para assumir as suas funções de soberania, no que diz respeito ao Estado de direito, à protecção dos direitos humanos e liberdades fundamentais, à segurança da população, à redução da pobreza, à prestação de serviços, à transparência e equidade da gestão dos recursos e ao acesso ao poder. As situações de fragilidade representam um enorme desafio para o desenvolvimento sustentável e para a paz e podem assumir riscos importantes para a segurança regional e mundial. Existem diferentes causas e diferentes graus de fragilidade e as possíveis consequências destas situações são também substancial e qualitativamente diferentes de outros países em desenvolvimento, exigindo respostas políticas adequadas às particularidades de cada caso. As abordagens e as políticas governativas em relação a estes países têm obrigatoriamente de ser pensadas numa lógica conjunta, que traduza uma coordenação eficaz, e devem responder a orientações preventivas, tendo em conta a especificidade de cada país.
Portugal tem de conseguir responder melhor, mais rápido e de forma mais flexível às situações que se lhe colocam, de forma diferenciada, articulada e global, conjugando os diversos instrumentos ao seu dispor. Para tal, é necessária uma maior capacidade de realizar análises conjuntas e de partilhar informação sobre as realidades e as capacidades de resposta a situações de fragilidade, tanto ao nível da sede como no terreno, bem como uma melhor capacidade de articulação com os outros doadores bilaterais, actores regionais e multilaterais no terreno. Neste âmbito, assume especial significado o recurso a instrumentos e meios de todas as áreas que proporcionem informação atempada para uma avaliação correcta da situação em cada área de actuação.
Uma maior coerência entre políticas de apoio à segurança e ao desenvolvimento, tanto no plano político como no plano operacional, é pois um processo que exige melhorias nas acções de curto, médio e longo prazos.
2 – Coerência e coordenação das políticas de segurança e desenvolvimento
É fundamental para o desenvolvimento que haja uma base de segurança e que as populações não tenham receio de viver o seu quotidiano. Esta ligação entre segurança e desenvolvimento significa que é importante desenvolver sinergias – tanto nos países onde predominam as missões de prevenção ou resolução de conflitos, manutenção ou consolidação da paz, como naqueles em que predominam actividades da cooperação para o desenvolvimento e que se caracterizam por uma fraca capacidade institucional em termos gerais – entre os vários actores no terreno, tendo em vista uma coordenação das diferentes intervenções e, consequentemente uma maior eficácia.
A reforma dos sectores de segurança em países em situação de fragilidade é crucial para a criação de condições favoráveis a esforços de desenvolvimento eficazes, não sendo possível pensar em desenvolvimento sustentável sem instituições de segurança estáveis, eficazes e responsabilizáveis. Contudo, esta reforma apenas pode ter sucesso se os apoios ao desenvolvimento reforçarem os esforços políticos na área da segurança, e vice-versa.
Esta perspectiva ampla de segurança e desenvolvimento implica articular as missões de segurança, a prevenção de conflitos e a consolidação da paz e a ajuda humanitária com as medidas de redução da pobreza. A fragilidade tem consequências negativas sobre o desenvolvimento social, humano e económico, tem um impacto determinante sobre a pobreza e sobre a segurança regional, entre outros factores de natureza transversal. A ajuda ao desenvolvimento é um instrumento importante no combate à fragilidade e pode ter um papel nos esforços para prevenir conflitos, criar, manter e consolidar a paz, com base numa abordagem abrangente, articulando desenvolvimento, segurança e oportunidades económicas. O desenvolvimento e a segurança são, pois, duas faces da mesma moeda. O desenvolvimento não pode ser obtido sem segurança, e a segurança não pode ser alcançada sem um esforço sustentado para se obter desenvolvimento social, político e económico para todos.
É, pois, fundamental garantir a coerência das políticas nos domínios da segurança e do desenvolvimento, as quais, visando necessariamente alcançar objectivos específicos, através de instrumentos de natureza diferente, podem e devem estar pensadas de forma a promover a articulação entre os respectivos instrumentos e actividades, com vista à criação de sinergias que concorram para a prossecução dos objectivos de ambos domínios de intervenção.
A definição das respostas mais adequadas a cada caso continua a apresentar-se como um desafio complexo. A actuação de Portugal, seja a nível bilateral seja no quadro multilateral, deverá ter sempre como orientação os princípios do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico para uma intervenção internacional eficaz dos doadores em Estados frágeis e em situações de fragilidade, que se baseiam num melhor envolvimento e conhecimento dos contextos locais e num apelo à coerência, eficácia, harmonização e maior previsibilidade da ajuda.
Com vista à promoção desta coerência e coordenação das políticas em matéria de segurança e desenvolvimento, Portugal tem participado no debate em curso no sistema multilateral e procurado corresponder às boas práticas reconhecidas.
É precisamente neste âmbito que se inscreve a participação nacional no trabalho de monitorização do CAD/OCDE sobre a implementação dos princípios referidos, bem como a sua integração na Rede Internacional sobre Conflitos e Fragilidade (INCAF). Do mesmo modo, a participação de Portugal nas conferências internacionais sobre abordagens holísticas, a resposta nacional ao questionário da UE sobre a coerência das políticas para o desenvolvimento em 2007 e em 2009 ou a participação nas redes informais, nas discussões formais e nos exercícios em curso da UE – tais como a redacção do Plano de Acção sobre Segurança e Desenvolvimento, que promova a coerência da acção externa da União – são outros exemplos deste esforço nacional.
A promoção de trabalho conjunto e de harmonização de políticas a nível das várias instituições multilaterais, tais como a ONU, as instituições financeiras internacionais, as organizações de segurança e defesa e as organizações regionais, é um elemento presente na procura de coerência e coordenação interna. Embora existam vários tipos de constrangimentos à operacionalização do nexo entre segurança e desenvolvimento – institucionais, de mandatos, de horizontes temporais e de quadros de actuação distintos ou a falta de tradição de trabalho conjunto -, esta Estratégia espelha a vontade política do Governo Português de promover a ligação entre os dois domínios e o reconhecimento dos riscos e do desperdício de recursos que a falta de coordenação e de coerência envolvem, nomeadamente em situações de fragilidade.
2.1 – Objectivos e prioridades para a acção externa na área da segurança e defesa
Salvaguardando que a participação nas operações de apoio à paz se efectua no âmbito das organizações de segurança e defesa de que Portugal faz parte ou ao abrigo dos mandatos da Organização das Nações Unidas (ONU) para o conflito em causa, a Estratégia tem em consideração os princípios estabelecidos nacionalmente para a participação nessas organizações. Os desafios de segurança não podem continuar a ser enfrentados com recurso apenas ao instrumento securitário, tornando-se também claramente necessária a utilização alargada e concertada de instrumentos políticos, económicos e sociais. Neste contexto, insere-se a participação nacional nas organizações que se constituem como vectores de afirmação nacional no quadro da segurança.
Organização das Nações Unidas
A participação nacional em operações de paz das Nações Unidas é uma acção central da política externa portuguesa que entende a ONU como a obrigatória sede de legitimação de todas estas operações.
Portugal tem prosseguido uma política de envolvimento activo na organização e nas operações desenvolvidas sob a sua égide, contribuindo financeira e operacionalmente para o esforço comum. Garante-se assim o prestígio, a visibilidade externa e o peso internacional de Portugal, materializando o objectivo de contribuir para a paz, a segurança, a estabilidade e a melhoria do nível de vida das populações dos países em que essas operações se desenrolam, o que, não sendo exclusivo da participação nacional na ONU, assume especial significado à escala global.
Organização do Tratado do Atlântico Norte
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) é um elemento imprescindível e único na ordenação internacional da segurança e defesa, em particular do espaço geopolítico em que mais directamente nos inserimos, mas também à escala global. Portugal, enquanto membro fundador da organização, tem estado envolvido nos múltiplos processos de alargamento e de transformação da Aliança, como respostas aos desafios decorrentes das alterações no ambiente estratégico e de que resultaram novas missões e empenhamentos. Portugal tem participado em quase todas as operações desenvolvidas pela NATO, contribuindo para a afirmação da política externa portuguesa e dando testemunho do contributo nacional para a paz e a segurança internacionais.
A NATO tem vindo a procurar desenvolver os seus próprios instrumentos de gestão de crises e a reforçar a sua capacidade de trabalhar em conjunto com parceiros, organizações internacionais, organizações não governamentais e autoridades locais. Em termos nacionais será importante participar nas dinâmicas da segurança transatlântica, recusando oposições entre alegadas dimensões exclusivamente atlântica e europeia, reflectindo o entendimento de que a segurança é hoje uma actividade multidimensional e transversalmente abrangente, e de que é assim que a devemos perceber no contexto da soberania e da segurança e defesa de Portugal.
União Europeia
Num mundo de ameaças e mercados globais, a segurança e a prosperidade da UE dependem cada vez mais de um sistema multilateral efectivo. A Estratégia Europeia de Segurança de 2003 refere de uma forma clara que «a segurança é uma condição prévia do desenvolvimento» e, no âmbito da PESC, da qual faz parte a PESD, a UE desenvolve uma política comum, cobrindo todas as áreas relacionadas com a segurança.
Sendo hoje um actor reconhecido e solicitado na cena internacional, a UE desenvolveu capacidades militares e civis para a gestão de crises internacionais, capacitando-se com os meios necessários para manter a paz e a segurança internacionais, numa aproximação integrada à resolução das crises, que deverá ser potenciada. É neste contexto que se têm desenvolvido as operações e missões no âmbito da PESD, onde Portugal tem vindo a participar e a integrar as diversas actividades, sendo de destacar a relevância dos processos de reforma do sector de segurança (RSS) e desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR) como medidas essenciais de estabilização pós-conflito e reconstrução.
As principais linhas de acção estratégica europeia, essenciais para a acção militar, a regulação de questões fundamentais, em que a Europa é actor central são: i) a necessidade de proteger o modo de vida, as pessoas e os bens europeus, perante fenómenos como as ameaças transnacionais ligadas ao terrorismo, à criminalidade organizada, ao tráfico ilegal de seres humanos, armas e drogas, bem como à cibersegurança; ii) a liberdade de acesso justo aos recursos energéticos e às matérias-primas, e iii) o propósito de corrigir o desequilíbrio entre, por um lado, o contributo europeu para a ajuda humanitária e a ajuda ao desenvolvimento em múltiplas regiões e, por outro, o seu relativamente menor peso político nessas mesmas áreas.
Assume relevância na afirmação da UE como pilar da segurança mundial a definição pelo lado europeu dos mecanismos de cooperação futura com a NATO, nomeadamente quanto ao reforço da solidariedade e da unidade da representação externa, das cooperações reforçadas e sobretudo das cooperações estruturadas permanentes, onde poderão radicar avanços em matéria de segurança e defesa que permitam reforçar a sua afirmação internacional.
Organização para a Segurança e Cooperação na Europa
A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) centra a sua acção em cinco vectores de actuação: alerta precoce; diplomacia preventiva; gestão de crises; reabilitação pós-conflito, e direitos humanos.
Durante a presidência portuguesa da Organização em 2002, foi traçado um conjunto de iniciativas que levaram à elaboração de uma Carta OSCE para a Prevenção e Combate ao Terrorismo, que apela à cooperação colectiva e ao desenvolvimento de conceitos abrangentes de segurança, que importa intensificar. Portugal incluiu na agenda da OSCE a dimensão económico-ambiental, que levou ao Fórum Económico, em Praga, dedicado ao tema da cooperação para a gestão sustentável da água. Nos planos económico-ambiental e político-militar existem projectos concretos da OSCE na área da formação que importa intensificar.
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
O potencial de cooperação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em especial na área da defesa e segurança, é muito significativo, atendendo a que se trata do único fórum onde as questões de segurança e desenvolvimento globais e pluricontinentais podem ser abordadas num quadro identitário próprio, envolvendo uma rede que, em termos de organizações internacionais, integra a ONU, a UE, o MERCOSUL, a União Africana, a ASEAN, a NATO, a CEDEAO, a CEEAC, a SADC, entre outras.
Particularmente relevante é o facto de a CPLP se ter dotado de uma base jurídica internacional, de uma estrutura orgânica própria e de áreas da formação, bem como de reflexão estratégica e operacional. A valorização do espaço da CPLP é, pela riqueza da partilha de conhecimentos e pela posição estratégica que pode assumir no seio da comunidade internacional, uma prioridade para Portugal.
Importa que a cooperação técnico-militar promova, desenvolva e concretize o seu vector multilateral, orientando-o para o aperfeiçoamento dos mecanismos necessários ao desenvolvimento das capacidades militares dos países da CPLP, já por si ligadas por laços históricos e culturais. No âmbito da cooperação técnico-policial, para além da dinamização do Fórum de Ministros da Administração Interna e de Chefes de Polícia da CPLP, assume-se também como muito relevante a promoção e o desenvolvimento de uma nova dinâmica de âmbito multilateral.
Por fim, tendo em consideração que as estruturas e serviços de protecção civil são parte integrante de uma estratégica de segurança e desenvolvimento, bem como matéria de intervenção do Estado Português no plano bilateral e no plano multilateral, sob a coordenação do Ministério dos Negócios Estrangeiros, importa realçar o papel que Portugal tem prestado na assistência internacional após várias catástrofes e que tem desempenhado no quadro da cooperação bilateral e no plano multilateral, através da Autoridade Nacional de Protecção Civil, designadamente no plano europeu (Iniciativa Fire6 e Mecanismo Comunitário de Protecção Civil), euro-mediterrânico (Iniciativa Euro-Med e Programa para a Prevenção e Redução de Desastres) e da CPLP (projectos de cooperação técnica e organização do Fórum Cooperação-Acção para a Protecção Civil e Bombeiros).
2.2 – Objectivos e prioridades da cooperação portuguesa
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 196/2005, de 22 de Dezembro, «Uma visão estratégica para a cooperação portuguesa», procurou contribuir para a clarificação das orientações de fundo da política de cooperação portuguesa e para a introdução e reforço de mecanismos de coordenação dos vários agentes da cooperação. Este enquadramento introduziu algumas inovações institucionais e metodológicas importantes motivadas, na sua maioria, pela importância da coerência das políticas.
O reforço da segurança humana, particularmente em contextos de fragilidade institucional e em cenários de pós-conflito, foi apresentado como uma prioridade transversal da cooperação portuguesa. O conceito patente no documento de orientação estratégica da cooperação portuguesa subscreve uma abordagem ampla de segurança humana, contemplando as dimensões da segurança pública (freedom from fear) e desenvolvimento humano (freedom from want). A adopção de uma abordagem de segurança humana na resposta a situações de fragilidade – tornando os indivíduos, e não os Estados, o centro das estratégias de segurança – permite mapear de forma mais completa as causas e expressões das situações de fragilidade e enfatizar a prevenção de conflitos e a consolidação da paz e exige uma programação da cooperação que integre os planos de segurança, desenvolvimento e direitos humanos numa abordagem abrangente, que envolva actores diversos como as forças armadas, as forças de segurança, o sistema judicial e agentes de desenvolvimento na articulação de uma resposta integrada e sustentada a estas ameaças e constrangimentos.
Segundo o documento de orientação estratégica da cooperação portuguesa, o contributo de Portugal no reforço da segurança humana em Estados institucionalmente frágeis assenta em duas vertentes: o empenho na luta contra a pobreza, em particular na prossecução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), e a participação na reforma do sector de segurança, dada a proximidade linguística, cultural e da matriz jurídica dos sistemas de organização dos sectores de defesa e de segurança. O papel da cooperação portuguesa passa pelo apoio à organização de unidades e estabelecimentos de formação militar e pela formação em Portugal, bem como pelo reforço das instituições estatais responsáveis pela segurança interna na missão de implementação da lei, designadamente as forças de segurança pública, os serviços de migrações e fronteiras e a investigação criminal nas dimensões de organização, métodos e formação como meios de consolidar a estabilidade interna. A par da capacitação do Estado na vertente operacional de implementação da lei, a cooperação portuguesa deverá, concomitantemente e em resposta à especificidade das ameaças em cada país, apoiar a capacitação do sistema judiciário – nomeadamente da magistratura judicial e do Ministério Público – procurando assegurar que funciona de forma consequente e eficaz em articulação com os sistemas de segurança pública e de investigação criminal.
Por outro lado, em coerência, a cooperação portuguesa deve apoiar o combate à corrupção em todas as fases, desde a revisão dos quadros jurídicos à criação de capacidades específicas nos sistemas judiciários, contribuindo para erradicar o que constitui um factor de fragilidade do Estado de direito e de imprevisibilidade da actividade económica. As intervenções de cooperação bilateral e multilateral de Portugal devem ainda contribuir para o reforço da sociedade civil, designadamente da respectiva capacidade de interacção com o Estado e de participação no debate de opções de política pública; da informação sobre direitos e deveres de cidadania; do acesso à justiça e da noção de direitos humanos.
Portugal tem procurado igualmente sensibilizar a comunidade internacional para as necessidades dos Estados em situação de fragilidade que beneficiam da sua ajuda, através da organização de encontros entre, por um lado, os governos destes Estados e, por outro, a comunidade doadora/organizações internacionais. Adicionalmente, a cooperação institucional portuguesa tem apoiado a realização de mesas-redondas de doadores, permitindo aos governos desses Estados apresentar os programas e projectos para as áreas consideradas prioritárias e sensibilizar os doadores para a sua importância.
A participação directa de Portugal no debate bilateral e multilateral promovido neste contexto e na definição de estratégias de envolvimento com os Estados em situação de fragilidade assinala o interesse e a preocupação da cooperação portuguesa nesta temática e exige a definição de uma estratégia política nacional capaz de adequar os mecanismos e modalidades da ajuda a este tipo de situações.
Parte II
1 – Objectivos da Estratégia
A Estratégia Nacional sobre Segurança e Desenvolvimento tem como objectivos específicos:
1) Promover uma maior coerência e coordenação da intervenção do Estado Português na acção externa global em matéria de segurança e desenvolvimento;
2) Identificar mecanismos e instrumentos existentes e a criar que permitam uma programação e acção mais integrada da cooperação nos países em situação de fragilidade;
3) Promover a sistematização das boas práticas e a partilha da informação entre os actores no âmbito da segurança e desenvolvimento, na sede e no terreno;
4) Potenciar o diálogo político com as redes da sociedade civil portuguesas e locais detentoras de conhecimento útil sobre as realidades em questão;
5) Aprofundar a interacção com os parceiros internacionais neste domínio.
2 – Instrumentos de implementação da Estratégia
2.1 – Promover uma maior coerência e coordenação da intervenção do Estado português na acção externa global em matéria de segurança e desenvolvimento:
A) Criar um mecanismo de coordenação política em Portugal.
Este mecanismo de consulta interministerial regular deve procurar reunir uma vez por mês, sob a liderança do Ministério dos Negócios Estrangeiros, incluindo inicialmente os representantes políticos envolvidos no desenvolvimento desta Estratégia.
. A avaliação da situação deve basear-se em dados fornecidos pelos diferentes organismos do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), pelo grupo de trabalho sobre segurança e desenvolvimento e por informações e avaliações provenientes dos diversos actores no terreno;
B) Criar um mecanismo de coordenação política nos países em que Portugal actua.
A coordenação entre os vários actores no domínio da segurança e desenvolvimento no terreno deve ser assumida pelos embaixadores de Portugal nos países, podendo ser aproveitados ou estabelecidos mecanismos de coordenação periódica com os conselheiros, adidos, oficiais de ligação e demais representantes das diferentes tutelas ministeriais.
Nos casos em que não haja representação nos países a nível de embaixador, caberá ao mecanismo de consulta política interministerial a definição do modelo de coordenação no terreno.
. Assumem especial importância os dados fornecidos por elementos que no terreno participam nas diferentes operações de apoio à paz, na cooperação para o desenvolvimento e nas representações de organizações internacionais, bem como as avaliações provenientes de elementos no terreno, dos órgãos de informações do SIRP e militares;
C) Criar um grupo de trabalho sobre segurança e desenvolvimento, coordenado pelo MNE/IPAD e constituído pelas direcções políticas e operacionais dos restantes ministérios envolvidos.
. Este grupo de trabalho deve acompanhar a reflexão desenvolvida sobre esta matéria pelas várias organizações internacionais e actores nacionais, bem como identificar países e áreas prioritárias de acção, devendo a análise produzida por este grupo de trabalho constituir também um contributo para as reuniões do mecanismo de consulta interministerial.
2.2 – Identificar mecanismos e instrumentos existentes e a criar que permitam uma programação e acção mais integrada da cooperação nos países em situação de fragilidade:
A) Privilegiar, no âmbito e aquando da negociação dos programas indicativos de cooperação (PIC), os projectos, acções e mecanismos de implementação, acompanhamento e avaliação que contribuam para apoiar a boa governação dos Estados;
B) Articular a concepção e definição dos programas de cooperação técnico-militar, de cooperação técnico-policial e de cooperação judiciária no âmbito dos PIC com o IPAD;
C) Criar equipas ad hoc, a nível interministerial, por cada país parceiro de Portugal em situação de fragilidade.
. Estas equipas deverão realizar análises regulares conjuntas, revisão de estratégias e adaptação de respostas, incluindo discussão sobre calendarização e sequenciamento das acções, consoante o evoluir da situação, aperfeiçoando os instrumentos de diagnóstico e avaliação existentes e criando mecanismos de alerta rápido;
D) Produzir planos de acção orientados para os países parceiros da cooperação portuguesa que se encontrem em situação de fragilidade;
E) Inserir a programação plurianual destas actividades no orçamento-piloto da cooperação;
F) Articular a implementação da Estratégia com os demais planos e medidas governamentais que se cruzem com esta temática.
2.3 – Promover a sistematização das boas práticas e a partilha da informação entre os actores no âmbito da segurança e desenvolvimento, na sede e no terreno:
A) Desenvolver um «espaço virtual de trabalho colaborativo».
. Este espaço deverá disponibilizar informação relativamente às intervenções em curso em cada país parceiro da cooperação portuguesa e funcionar também para troca de informação entre o grupo de trabalho, nomeadamente para o intercâmbio regular de análises de riscos e das respostas pertinentes de Portugal, da UE e de outras organizações regionais e internacionais no terreno;
B) Promover cursos de formação conjuntos e missões de avaliação conjuntas, entre actores portugueses nos domínios da segurança e do desenvolvimento;
C) Desenvolver e sistematizar mecanismos de avaliação contínua e integrada do impacto da formação e das missões no terreno, com vista a orientar futuras actividades;
D) Criar uma base de dados de peritos nacionais sobre áreas e países de interesse para a política externa portuguesa.
. Esta base de dados deverá integrar elementos provenientes de todas as áreas intervenientes, com reconhecido conhecimento da situação local, que nela desenvolvem ou desenvolveram acções importantes ou que tenham participado em operações de apoio à paz.
2.4 – Potenciar o diálogo político com as redes da sociedade civil detentoras de conhecimento útil sobre as realidades em questão:
A) Consultar representantes da sociedade civil na definição dos planos de acção orientados para países que se encontrem em situação de fragilidade.
2.5 – Aprofundar a interacção com os parceiros internacionais neste domínio:
A) Participar e acompanhar iniciativas no âmbito da NATO tendentes à implementação e ao aprofundamento do conceito de comprehensive approach, nas áreas e operações onde os interesses nacionais o determinem;
B) Participar e acompanhar, no âmbito da UE, a implementação e o aprofundamento da Estratégia Europeia de Segurança, num quadro de afirmação nacional no espaço europeu;
C) Defender a integração da temática da segurança e desenvolvimento no quadro do capítulo «Paz e segurança» do Plano de Acção da Parceria Conjunta UE-África;
D) Promover a aplicação do Código de Conduta da UE em matéria de complementaridade e divisão das tarefas na política de desenvolvimento, designadamente a abordagem entre países prevista no mesmo de forma a captar a atenção de outros doadores para Estados em situação de fragilidade, sobretudo os «órfãos da ajuda»;
E) Aprofundar e intensificar o debate sobre a temática «segurança e desenvolvimento» no âmbito da CPLP.