Protecção Jurídica das Bases de Dados

Decreto-Lei n.º 122/2000, de 04 de julho, alterada por Lei n.º 92/2019, de 04 de Setembro – Protecção Jurídica das Bases de Dados.

Transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 96/9/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, relativa à protecção jurídica das bases de dados.

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O presente diploma transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho n.º 96/9/CE, de 11 de Março, relativa à protecção jurídica das bases de dados.

Na verdade, a harmonização da protecção jurídica das bases de dados traduz-se num mecanismo de desenvolvimento de um mercado da informação no seio da Comunidade Europeia, ao mesmo tempo que contribui para a eliminação de obstáculos à livre circulação de bens e de serviços.

No plano do direito interno, a aprovação de um regime específico para a protecção das bases de dados – não as integrando simplesmente no âmbito do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos – permite a resolução de dúvidas quanto à natureza de algumas situações, bem como a consideração das especificidades de que esta matéria se reveste, seguindo assim a opção tomada pelo legislador quanto à protecção de programas de computador, prevista no Decreto-Lei n.º 252/94, de 20 de Outubro.

No que respeita às soluções, adoptou-se, tal como se prevê na directiva, uma dupla protecção. Por um lado, as bases de dados que constituam criações intelectuais, nos termos previstos no diploma, são protegidas pelo direito de autor com algumas especificidades. Por outro lado, assegura-se a atribuição, ao fabricante de certas bases de dados, de uma protecção sui generis, dependente do investimento qualitativo ou quantitativo envolvido no seu fabrico.

Assim:

No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 1/2000, de 16 de Março, e nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:

CAPÍTULO I

Objecto e âmbito de aplicação

Artigo 1.º

Objecto

1 – O presente diploma transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 96/9/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, relativa à protecção jurídica das bases de dados.

2 – Para efeito do disposto no presente diploma, entende-se por «base de dados» a colectânea de obras, dados ou outros elementos independentes, dispostos de modo sistemático ou metódico e susceptíveis de acesso individual por meios electrónicos ou outros.

3 – As bases de dados são protegidas pelo direito de autor, nos termos previstos no capítulo II, ou através da concessão ao fabricante dos direitos previstos no capítulo III.

4 – A protecção atribuída às bases de dados não é extensiva aos programas de computador utilizados no fabrico ou no funcionamento de bases de dados acessíveis por meios electrónicos.

Artigo 2.º

Situações plurilocalizadas

1 – Sem prejuízo do disposto em convenção internacional a que o Estado Português esteja vinculado, a protecção das bases de dados pelo direito de autor está sujeita ao país da sua origem, considerando-se como tal:

a) Quanto às bases de dados publicadas, o país da primeira publicação;

b) Quanto às bases de dados não publicadas, o país da nacionalidade do autor ou, tratando-se de pessoa colectiva, o da sede principal e efectiva da sua administração.

2 – Não é, porém, reconhecida às bases de dados de origem estrangeira a protecção que, sendo atribuída pelo respectivo Estado às bases de dados de origem nacional, o não seja às bases de dados de origem portuguesa em igualdade de circunstâncias.

3 – A referência a uma lei estrangeira, nos termos do n.º 1, entende-se com exclusão das suas normas de direito internacional privado.

4 – É considerado autor quem como tal for qualificado pela lei do país de origem da base de dados, determinada nos termos do n.º 1, prevalecendo, em caso de conflito de qualificações, a lei do país cuja solução mais se aproxime da lei portuguesa.

Artigo 3.º

Normas de aplicação imediata

1 – A protecção concedida ao fabricante de uma base de dados, nos termos previstos no capítulo III, é reconhecida às pessoas singulares de nacionalidade ou residência habitual nos países membros da Comunidade Europeia.

2 – Idêntica protecção é reconhecida às pessoas colectivas constituídas ou com sede, administração central ou estabelecimento principal no território da Comunidade Europeia, desde que estes elementos representem uma ligação efectiva e permanente com um dos Estados membros.

CAPÍTULO II

Direito de autor

Artigo 4.º

Protecção pelo direito de autor

1 – As bases de dados que, pela selecção ou disposição dos respectivos conteúdos, constituam criações intelectuais são protegidas em sede de direito de autor.

2 – O disposto no número anterior constitui o único critério determinante para a protecção pelo direito de autor.

3 – A tutela das bases de dados pelo direito de autor não incide sobre o seu conteúdo e não prejudica eventuais direitos que subsistam sobre o mesmo.

Artigo 5.º

Autoria

1 – São aplicáveis às bases de dados referidas no artigo anterior as regras gerais sobre autoria e titularidade vigentes para o direito de autor.

2 – Presumem-se obras colectivas as bases de dados criadas no âmbito de uma empresa.

3 – Os direitos patrimoniais sobre as bases de dados criadas por um empregado no exercício das suas funções, ou segundo instruções emanadas do dador de trabalho, ou criadas por encomenda, pertencem ao destinatário da base de dados, salvo se o contrário resultar de convenção das partes ou da finalidade do contrato.

4 – O disposto no número anterior não prejudica o direito de remuneração especial do criador intelectual nos casos e nos termos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 14.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.

5 – O n.º 2 do artigo 15.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos não é aplicável às bases de dados.

Artigo 6.º

Duração

1 – O direito sobre a base de dados atribuído ao criador intelectual extingue-se 70 anos após a morte deste.

2 – O prazo de protecção da base de dados atribuído originariamente a outras entidades extingue-se 70 anos após a primeira divulgação ao público da mesma.

3 – À contagem dos prazos previstos nos números anteriores aplicam-se as regras gerais de contagem em matéria de direito de autor.

Artigo 7.º

Conteúdo do direito de autor

1 – O titular de uma base de dados criativa goza do direito exclusivo de efectuar ou autorizar:

a) A reprodução permanente ou transitória, por qualquer processo ou forma, de toda ou parte da base de dados;

b) A tradução, a adaptação, a transformação, ou qualquer outra modificação da base de dados;

c) A distribuição do original ou de cópias da base de dados;

d) Qualquer comunicação pública, exposição ou representação públicas da base de dados;

e) Qualquer reprodução, distribuição, comunicação, exposição ou representação pública da base de dados derivada, sem prejuízo dos direitos de quem realiza a transformação.

2 – Os actos de disposição lícitos esgotam o direito de distribuição da base de dados na Comunidade Europeia, mas não afectam a subsistência dos direitos de aluguer.

Artigo 8.º

Direitos do titular originário

1 – O titular originário da base de dados goza do direito à menção do nome na base e do direito de reivindicar a autoria desta.

2 – Se a base de dados tiver um criador intelectual individualizável, cabe-lhe, em qualquer caso, o direito a ser reconhecido como tal e de ter o seu nome mencionado na base.

Artigo 9.º

Direitos do utente

1 – O utente legítimo pode, sem autorização do titular da base de dados e do titular do programa, praticar os actos previstos no artigo 5.º com vista ao acesso à base de dados e à sua utilização, na medida do seu direito.

2 – É nula a convenção em contrário ao disposto no número anterior.

Artigo 10.º

Excepções

1 – Em derrogação dos direitos previstos no artigo 7.º, são ainda livres os seguintes actos:

a) A reprodução para fins privados de uma base de dados não electrónica;

b) As utilizações feitas com fins didácticos ou científicos, desde que se indique a fonte, na medida em que isso se justifique pelo objectivo não comercial a prosseguir;

c) As utilizações para fins de segurança pública ou para efeitos de processo administrativo ou judicial;

d) As restantes utilizações livres previstas no direito de autor nacional, nomeadamente as constantes do artigo 75.º do Código de Direito de Autor e dos Direitos Conexos, sempre que se mostrem compatíveis.

2 – As reproduções permitidas no número anterior e as previstas no artigo 9.º devem ser efectuadas de forma a não prejudicar a exploração normal da base de dados nem causar um prejuízo injustificável aos legítimos interesses do autor.

Artigo 11.º

Reprodução, divulgação ou comunicação ilegítima de base de dados protegida

Quem, não estando para tanto autorizado, reproduzir, divulgar ou comunicar, ao público com fins comerciais, uma base de dados criativa nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do presente diploma, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

CAPÍTULO III

Protecção especial do fabricante da base de dados

Artigo 12.º

Direito especial do fabricante

1 – Quando a obtenção, verificação ou apresentação do conteúdo de uma base de dados represente um investimento substancial do ponto de vista qualitativo ou quantitativo, o seu fabricante goza do direito de autorizar ou proibir a extracção e ou a reutilização da totalidade ou de uma parte substancial, avaliada qualitativa ou quantitativamente, do seu conteúdo.

2 – Para os efeitos do disposto no presente diploma, entende-se por:

a) Extracção: a transferência, permanente ou temporária, da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados para outro suporte, seja por que meio ou sob que forma for;

b) Reutilização: qualquer forma de distribuição ao público da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo da base de dados, nomeadamente através da distribuição de cópias, aluguer, transmissão em linha ou outra modalidade.

3 – A primeira venda de uma cópia da base de dados esgota o direito de distribuição na Comunidade Europeia.

4 – O comodato público não constitui um acto de extracção ou de reutilização.

5 – O direito previsto no n.º 1 é aplicável independentemente de a base de dados ou o seu conteúdo poderem ser protegidos pelo direito de autor ou por outros direitos.

6 – Não são permitidas a extracção e ou a reutilização sistemáticas de partes não substanciais do conteúdo da base de dados que pressuponham actos contrários à exploração normal dessa base ou que possam causar um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do fabricante da base.

Artigo 13.º

Transmissão do direito do fabricante

O direito do fabricante, previsto no n.º 1 do artigo anterior, pode ser transmitido ou objecto de licenças contratuais.

Artigo 14.º

Direitos e obrigações do utilizador legítimo

1 – O utilizador legítimo de uma base de dados colocada à disposição do público pode praticar todos os actos inerentes à utilização obtida, nomeadamente os de extrair e de reutilizar as partes não substanciais do respectivo conteúdo, na medida do seu direito.

2 – O utilizador legítimo de uma base de dados colocada à disposição do público não pode praticar quaisquer actos anómalos que colidam com a exploração normal desta e lesem injustificadamente os legítimos interesses do fabricante ou prejudiquem os titulares de direitos de autor ou de direitos conexos sobre obras e prestações nela incorporadas.

3 – É nula qualquer convenção em contrário ao disposto nos números anteriores.

Artigo 15.º

Outros actos livres

O utilizador legítimo de uma base de dados colocada à disposição do público pode ainda, sem autorização do fabricante, extrair e ou reutilizar uma parte substancial do seu conteúdo nos seguintes casos:

a) Sempre que se trate de uma extracção para uso privado do conteúdo de uma base de dados não electrónica;

b) Sempre que se trate de um extracção para fins didácticos ou científicos, desde que indique a fonte e na medida em que a finalidade não comercial o justifique;

c) Sempre que se trate de uma extracção e ou de uma reutilização para fins de segurança pública ou para efeitos de um processo administrativo ou judicial.

Artigo 16.º

Prazo de protecção

1 – O direito previsto no artigo 12.º produz efeitos a partir da conclusão do fabrico da base de dados e caduca ao fim de 15 anos, a contar de 1 de Janeiro do ano seguinte ao da data do seu fabrico.

2 – No caso de uma base de dados que tenha sido colocada à disposição do público antes do decurso do prazo previsto no número anterior, o prazo de protecção daquele direito caduca ao fim de 15 anos a contar de 1 de Janeiro do ano seguinte aquele em que a base de dados tiver sido colocada pela primeira vez à disposição do público.

Artigo 17.º

Protecção de modificações substanciais

Qualquer modificação substancial, avaliada quantitativa ou qualitativamente, do conteúdo de uma base de dados, incluindo as modificações substanciais resultantes da acumulação de aditamentos, supressões ou alterações sucessivas que levem a considerar que se trata de um novo investimento substancial, atribui à base de dados resultante desse investimento um período de protecção própria.

CAPÍTULO IV

Disposições comuns

Artigo 18.º

Autonomia privada

1 – Os negócios relativos a direitos sobre bases de dados são disciplinados pelas regras gerais dos contratos e pelas disposições dos contratos típicos em que se integram ou com que ofereçam maior analogia.

2 – São aplicáveis a estes negócios as disposições dos artigos 40.º, 45.º a 51.º e 55.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.

Artigo 19.º

Apreensão

1 – Podem ser apreendidas, nos termos dos procedimentos cautelares, as cópias ilícitas de bases de dados.

2 – Podem igualmente ser objecto de apreensão os dispositivos em comercialização que tenham por finalidade exclusiva facilitar a supressão não autorizada ou a neutralização de qualquer salvaguarda técnica eventualmente colocada para proteger uma base de dados.

3 – O destino dos objectos apreendidos será determinado na sentença final.

CAPÍTULO V

Disposições finais e transitórias

Artigo 20.º

Tutela por outras disposições legais

1 – A tutela instituída pelo presente diploma não prejudica a conferida por regras de diversa natureza relativas, nomeadamente, ao direito de autor, aos direitos conexos ou a quaisquer outros direitos ou obrigações que subsistam sobre os dados, obras, prestações ou outros elementos incorporados numa base de dados, às patentes, às marcas, aos desenhos e modelos, à protecção dos tesouros nacionais, à legislação sobre acordos, às decisões ou práticas concertadas entre empresas e à concorrência desleal, ao segredo comercial, à segurança, à confidencialidade, à protecção dos dados pessoais e da vida privada, ao acesso aos documentos públicos ou ao direito dos contratos.

2 – A protecção conferida pelo presente diploma às bases de dados realiza-se sem prejuízo das disposições constantes do Decreto-Lei n.º 252/94, de 20 de Outubro, e dos Decretos-Leis n.os 332/97, 333/97 e 334/97, todos de 27 de Novembro.

Artigo 21.º

Aplicação no tempo

1 – A protecção das bases de dados pelo direito de autor prevista neste diploma inicia-se a 1 de Janeiro de 1998, com excepção do disposto no artigo 11.º

2 – O prazo previsto no artigo 6.º aplica-se às bases criadas antes da data prevista no número anterior, desde que o mesmo não tenha ainda decorrido.

3 – As bases de dados que em 1 de Janeiro de 1998 sejam protegidas pelo direito de autor não verão diminuir o seu prazo de protecção ainda que não preencham os requisitos do n.º 1 do artigo 4.º

4 – A protecção prevista no artigo 12.º para os fabricantes aplica-se igualmente às bases de dados cujo fabrico foi concluído durante os 15 anos anteriores à entrada em vigor deste diploma, contando-se o seu prazo de protecção a partir do dia 1 de Janeiro do ano seguinte ao da conclusão da base de dados.

Artigo 22.º

Contratos

As disposições do n.º 2 do artigo 9.º e do n.º 3 do artigo 14.º aplicam-se aos contratos já concluídos, sem prejuízo da manutenção dos mesmos bem como dos direitos adquiridos antes da entrada em vigor do presente diploma.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 12 de Maio de 2000. – António Manuel de Oliveira Guterres – Joaquim Augusto Nunes Pina Moura – António Luís Santos Costa – Manuel Maria Ferreira Carrilho.

Promulgado em 19 de Junho de 2000.

Publique-se.

O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.

Referendado em 21 de Junho de 2000.

O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.